A simbologia sociocultural de Zé Maria Mulher e sua persistência pela Umbanda em Sobral - CE

Esta exposição aborda o
fenômeno da visibilidade religiosa no Brasil, mais precisamente na cidade de Sobral-Ceará, direcionada para uma religião que é descendente de matriz africana, e
hoje possui maiores traços regionais, apresentando o processo histórico de
introdução da Umbanda por meio do Pai de Santo Zé Maria Mulher. Para isso,
recorre-se a uma revisão historiográfica que trata sobre a temática, com
intenção de esboçar aspectos que ajudem a conhecer a imagem estigmatizada,
demonizada e distorcida que essa religião carrega desde a suas origens. Ao
estudar a Umbanda em Sobral, percebe-se que a figura do Pai de Santo Zé Maria
Mulher se faz presente nas memórias de muitos umbandistas e pesquisadores da
religião, oferecendo uma representatividade e resistência de grande importância
para a popularidade da religião nessa cidade. A análise das memórias produzidas
pelo Pai de Santo foi feita sob a perspectiva da construção do processo de
fundação da Umbanda na cidade de Sobral-CE, como veremos adiante.
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Primordialmente,
traços do senso comum são atrelados a nossa vida e fazemos uso dessa dimensão,
mas infelizmente sabemos pouco sobre suas origens, construção e incorporação. Apesar
de vários costumes derivados de religiões africanas terem sido incorporados e
reproduzidos no Brasil, como o ato de pular sete ondinhas no ano novo e
vestir-se de branco, muitas vezes as associações com essas crenças são perdidas
e frequentemente apagadas. Assim, é importante analisar o contexto histórico brasileiro de como essas
religiões foram inseridas na nossa cultura. Desse modo, observa-se que desde o período colonial brasileiro há persistência de relações
diretas entre o poder político e a Religião Católica, sendo
essa a religião oficial nessa época. Para que pudessem manter suas referências
e heranças culturais, as demais religiões tiveram de ser recriadas e adaptadas
ao novo contexto.
Para descrever a
memória histórica precisamos atrelar primeiramente a região do Estado: a Umbanda
no Ceará. Faz-se necessário tratar um pouco do Catimbó como religião também
afro-brasileira. O primeiro esboço do Catimbó durante as origens da colonização
foi a Santidade, culto que tinha o cerimonial marcado pelo sincretismo de
elementos cristãos (como a Igreja, a adoração a uma imagem, o rosário, as
cruzes, a procissão, dentre
outros) e elementos indígenas (culto aos caboclos). Assim, a Umbanda no Ceará
guarda relações fortes com o Catimbó, que descende da Pajelança dos índios. A
ele se associam os elementos do costume negro. Assim, quanto às religiões
afro-brasileiras aqui no Ceará, antes do que se denominou Espiritismo de
Umbanda, segundo informações dos adeptos, havia as práticas denominadas
Catimbó, que receberão depois a denominação de Macumba. Na Macumba, é
perceptível a incidência de uma influência africana; no entanto, há o processo
mutante em direção à Umbanda. O primeiro passo da mutação em direção à Umbanda
ocorreu em 1954, quando da criação da Federação Cearense de Umbanda, por Mãe
Júlia.
O Espiritismo de
Umbanda predominou essencialmente nas periferias dos grandes centros urbanos,
tendo como adeptos as populações pobres. Absorveu no seu panteão práticas
religiosas da Macumba, embora tenha tentado uma ruptura com as práticas que lhe
deram origem ao apostar em modificações no terreno das representações e
crenças. Em pouco tempo espalha-se pelo Brasil e chega a Sobral, onde exerce grande influência na formação cultural do nosso povo em um processo sincrético que se desenvolve em meio à hegemonia do catolicismo. Herdamos traços do Catolicismo, do Espiritismo e do Candomblé, mas foi gerada em nós “um rosto próprio”, uma identidade. Não se sabe exatamente quantos Terreiros de Umbanda existem em nossa cidade, mas, sabe-se que o número de Casas de Umbanda é bem maior do que se possa imaginar.
Dentro da Microrregião Norte do Ceará, Sobral é, dessa forma, a cidade
de destaque e objeto desta pesquisa, a cidade, localizada na Zona Noroeste do
estado. Ao se delimitar um território, podemos assim iniciar análises esse
aquele local, e conseguimos perceber na população os reflexos do sentimento de
pertencimento, além de identificarmos características próprias desse território
e diferenciações sobre outros. Essas características são geradas por meio da
construção de um discurso que estabelece uma identidade coletiva. Freitas
(2005) direciona seu olhar para a construção da identidade sobralense a partir
da elite do município e a sua elaboração discursiva que tem a pretensão de caracterizar
e representar o que seria cada cidadão sobralense. O antropólogo Gleidson
Vieira dos Santos, em seu trabalho A Pomba-Gira no imaginário das
prostitutas, realizado na cidade de Sobral, traz em sua escrita etnográfica
a transcrição de uma entrevista realizada com Zé Maria Mulher. Santos (2006)
indica a necessidade da “cristalização de informações que até hoje permanecem
na oralidade”. Após percebemos a força do discurso sobre a “sobralidade
triunfante” (FREITAS), o registro das memórias daqueles que não aparecem neste
discurso pode nos levar a imaginar a História de Sobral a partir de novas perspectivas. Percebe-se que existe uma forte presença
da Umbanda em Sobral, porém, a presença do discurso triunfante no município e a
sua forte relação com a Igreja Católica escondem de certa forma presença desta
religião em nosso território. Porém, percebe-se a necessidade de desconstruir o
falso imaginário de uma Sobral unicamente católica, pois a partir dessa
perspectiva é que se fundamenta o preconceito religioso sofrido e observado nos
terreiros de Umbanda.
Aos cinco anos, Zé Maria relata que sua mãe, convencida pela prima, o
levou em uma sessão com uma “macumbeira”, expressão utilizada pelo pai de
santo, em Camocim. Ao iniciar a sessão, a “entidade”, não identificada na
entrevista, relata que não havia nenhuma doença na vida do menino, mas que a
criança nascera com a mediunidade de incorporação, opondo-se em fazer qualquer
trabalho contra isso, indicando apenas alguns banhos que a criança deveria
tomar. Estes banhos, segundo Zé Maria Mulher, ajudaram-no por dois anos, pois
quando ele completou a idade de sete anos, sua mediunidade retornou com
características mais fortes. A partir desta idade, Zé Maria Mulher relata que
iniciou seus trabalhos mediúnicos e, às vezes, utilizava do dinheiro da mãe
para a compra de velas. Ele continua relatando que também conseguia dinheiro
atendendo espiritualmente algumas pessoas, logo ficando muito conhecido. A
relação com sua mãe se agravou quando ele completou dez anos, pois começou a
ser perseguido pela Igreja e pela polícia de sua cidade, Massapê. Aos onze
anos, sua mãe não aguentando a perseguição que estavam sofrendo, mandou o filho
ir embora. Depois de ser rejeitado duas vezes por suas irmãs Teresinha e Nilza,
já que elas não aceitavam sua religião, Zé Maria Mulher buscou uma residência
na cidade de Sobral, onde se instalou e iniciou seu atendimento espiritual. O Pai
de Santo afirma que ao chegar em Sobral, com catorze anos, começou a procurar
casa para alugar, localizando uma na “Rua do Meio” (Bairro do Alto do Cristo),
onde começou a trabalhar atendendo clientes e soltando baralho. Depois
da morte de sua mãe, aos dezesseis anos, Zé Maria Mulher, já havendo deixado
seu antigo endereço, registrou seu terreiro na rua Coronel Mont’Alverne, no
bairro Campo dos Velhos.
José Maria Lima, popularmente conhecido como Zé Maria Mulher, Pai de Santo
de Umbanda, líder espiritual do Terreiro Ogum Marinho, é uma das figuras mais
populares da Umbanda sobralense. Não se sabe se ele foi o primeiro umbandista
da cidade, porém, a popularidade que Zé Maria Mulher trouxe para a Umbanda em
Sobral é perceptível a todos que adentrarem não apenas em ambientes de
pesquisas relacionadas à religião, mas para a grande maioria de umbandistas da
cidade. A figura do Pai de Santo é sempre lembrada como pioneira na popularização da religião dentro da
cidade, além de deixar para a cidade uma grande quantidade de filhos de santos.
Um breve estudo sobre sua memória nos possibilita iniciar um reconhecimento da
Umbanda em Sobral. Trouxe para Sobral a quebra de uma identidade de cidade
unicamente católica. Por fim, considera-se que mesmo diante de toda dificuldade
representativa, a figura do Pai de Santo Zé Maria Mulher trouxe reconhecimento
para a religião e construiu, dentro de Sobral, uma imagem constantemente
lembrada pela comunidade umbandistas e por uma parcela significativa de
cidadãos sobralenses. Zé Maria Mulher morreu em 2008 aos
65 anos, 50 dedicados aos trabalhos espirituais. Afama dos poderes de Zé Maria
ganhou o mundo, principalmente, pelos atendimentos certeiros com as cartas de
Tarô, realizados na Terreiro de Ogum Marinho, onde morava. Suas giras
deixaram de ocorrer, gradativamente, a partir dos anos 2000. As festas preparadas com capricho no terreiro da casa não
existirão mais. As giras das terças e sextas terminaram. As mesas e consultas
procuradas por centenas de clientes, de todas as camadas sociais, cessaram.
Por fim, a cidade de Sobral hoje realiza o conhecimento dessa religião por meio da Semana da Umbanda de Sobral, no mês de novembro, contando com participações de professores, comunidade em geral e vários Pais de Santo. “Num tempo de intolerância crescente, queremos tornar a Umbanda, religião essencialmente brasileira, conhecida em seus fundamentos, respeitada em sua prática e reconhecida em seu valor religioso e cultural.”
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Esta exposição busca a construção da memória histórica Umbandista por
meio do Pai de Santo Zé Maria Mulher, e também sobre o evento Semana da Umbanda
em Sobral. Com isso, a apresentação tem como objetivo principal a narrativa de
contexto e as transformações que essa região passou e sua relação com a
religião. A pesquisa de cunho qualitativo, mediante o uso do método da História
Oral, coleta de entrevista com o Pai de Santo e informações agrupadas no livro Nossa
Gente, Nossa História: O Ceará Republicano, organizado pelo professor
Carlos Augusto Pereira dos Santos da UVA. O estudo demonstra a persistência e
resistência de Zé Maria Mulher que ao chegar em Sobral desenvolve suas
referências religiosas por meio dos Orixás e das Entidades Espirituais que lhe
guiavam, por meio disso, a Umbanda precisou ser reinventada pelo Pai de Santo, em
função do Catolicismo relevante na cidade de Sobral. As práticas religiosas realizadas
por Zé Maria Mulher ocorriam por meio de soluções e explicações do universo
mítico e tinha resposta a partir da dimensão sociocultural em que o indivíduo
estava situado. Portanto, Zé Maria Mulher se torna praticamente o primeiro e o
indiciador da Umbanda na cidade conhecida como Princesa do Norte.
Zé Maria Mulher e assistentes
Fonte: arquivo do livro Nossa Gente, Nossa História: O Ceará Republicano, 2019
Cortejo dos Povos de Terreiro iniciando a Semana da Umbanda
Fonte: Prefeitura de Sobral, 2022
III
Semana da Umbanda de Sobral
Fonte: @Semanadaumbandadesobral, 2019
Mesa
redonda de convidados da III Semana da Umbanda de Sobral
Fonte: @Semanadaumbandadesobral, 2019
Apresentação
e organização do evento III Semana da Umbanda em Sobral
Fonte: @Semanadaumbandadesobral, 2019
Palestrantes e convidados da III Semana da Umbanda de Sobral

Fonte: @Semanadaumbandadesobral, 2019
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- Referências Bibliográficas:
SANTOS, Carlos Augusto
Pereira. Nossa Gente, Nossa História: O Ceará Republicano. Sobral: Sertãocult;
Edições UVA, 2019.
Cortejo dos Povos de
Terreiros abre Semana da Umbanda nesta terça-feira (15/11. Prefeitura de
Sobral, 2022. Disponível em: https://www.sobral.ce.gov.br/informes/principais/cortejo-dos-povos-de-terreiro-abre-semana-da-umbanda-nesta-terca-feira-15-11
. Acesso em: 05, de novembro, de 2022.
Semanadaumbandadesobral.
2019. “Abertura da III Semana da Umbanda de Sobral”. Instagram, 2019.
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Equipe:
Wesli Silva
Júlio Cezar
Gabriel Soares
Maria Carmelita
Tamires Ribeiro