segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

 A simbologia sociocultural de Zé Maria Mulher e sua persistência pela Umbanda em Sobral - CE



Esta exposição aborda o fenômeno da visibilidade religiosa no Brasil, mais precisamente na cidade de Sobral-Ceará, direcionada para uma religião que é descendente de matriz africana, e hoje possui maiores traços regionais, apresentando o processo histórico de introdução da Umbanda por meio do Pai de Santo Zé Maria Mulher. Para isso, recorre-se a uma revisão historiográfica que trata sobre a temática, com intenção de esboçar aspectos que ajudem a conhecer a imagem estigmatizada, demonizada e distorcida que essa religião carrega desde a suas origens. Ao estudar a Umbanda em Sobral, percebe-se que a figura do Pai de Santo Zé Maria Mulher se faz presente nas memórias de muitos umbandistas e pesquisadores da religião, oferecendo uma representatividade e resistência de grande importância para a popularidade da religião nessa cidade. A análise das memórias produzidas pelo Pai de Santo foi feita sob a perspectiva da construção do processo de fundação da Umbanda na cidade de Sobral-CE, como veremos adiante.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Primordialmente, traços do senso comum são atrelados a nossa vida e fazemos uso dessa dimensão, mas infelizmente sabemos pouco sobre suas origens, construção e incorporação. Apesar de vários costumes derivados de religiões africanas terem sido incorporados e reproduzidos no Brasil, como o ato de pular sete ondinhas no ano novo e vestir-se de branco, muitas vezes as associações com essas crenças são perdidas e frequentemente apagadas. Assim, é importante analisar o contexto histórico brasileiro de como essas religiões foram inseridas na nossa cultura. Desse modo, observa-se que desde o período colonial brasileiro há persistência de relações diretas entre o poder político e a Religião Católica, sendo essa a religião oficial nessa época. Para que pudessem manter suas referências e heranças culturais, as demais religiões tiveram de ser recriadas e adaptadas ao novo contexto.

Para descrever a memória histórica precisamos atrelar primeiramente a região do Estado: a Umbanda no Ceará. Faz-se necessário tratar um pouco do Catimbó como religião também afro-brasileira. O primeiro esboço do Catimbó durante as origens da colonização foi a Santidade, culto que tinha o cerimonial marcado pelo sincretismo de elementos cristãos (como a Igreja, a adoração a uma imagem, o rosário, as cruzes, a procissão, dentre outros) e elementos indígenas (culto aos caboclos). Assim, a Umbanda no Ceará guarda relações fortes com o Catimbó, que descende da Pajelança dos índios. A ele se associam os elementos do costume negro. Assim, quanto às religiões afro-brasileiras aqui no Ceará, antes do que se denominou Espiritismo de Umbanda, segundo informações dos adeptos, havia as práticas denominadas Catimbó, que receberão depois a denominação de Macumba. Na Macumba, é perceptível a incidência de uma influência africana; no entanto, há o processo mutante em direção à Umbanda. O primeiro passo da mutação em direção à Umbanda ocorreu em 1954, quando da criação da Federação Cearense de Umbanda, por Mãe Júlia.

O Espiritismo de Umbanda predominou essencialmente nas periferias dos grandes centros urbanos, tendo como adeptos as populações pobres. Absorveu no seu panteão práticas religiosas da Macumba, embora tenha tentado uma ruptura com as práticas que lhe deram origem ao apostar em modificações no terreno das representações e crenças. Em pouco tempo espalha-se pelo Brasil e chega a Sobral, onde exerce grande influência na formação cultural do nosso povo em um processo sincrético que se desenvolve em meio à hegemonia do catolicismo. Herdamos traços do Catolicismo, do Espiritismo e do Candomblé, mas foi gerada em nós “um rosto próprio”, uma identidade. Não se sabe exatamente quantos Terreiros de Umbanda existem em nossa cidade, mas, sabe-se que o número de Casas de Umbanda é bem maior do que se possa imaginar.

Dentro da Microrregião Norte do Ceará, Sobral é, dessa forma, a cidade de destaque e objeto desta pesquisa, a cidade, localizada na Zona Noroeste do estado. Ao se delimitar um território, podemos assim iniciar análises esse aquele local, e conseguimos perceber na população os reflexos do sentimento de pertencimento, além de identificarmos características próprias desse território e diferenciações sobre outros. Essas características são geradas por meio da construção de um discurso que estabelece uma identidade coletiva. Freitas (2005) direciona seu olhar para a construção da identidade sobralense a partir da elite do município e a sua elaboração discursiva que tem a pretensão de caracterizar e representar o que seria cada cidadão sobralense. O antropólogo Gleidson Vieira dos Santos, em seu trabalho A Pomba-Gira no imaginário das prostitutas, realizado na cidade de Sobral, traz em sua escrita etnográfica a transcrição de uma entrevista realizada com Zé Maria Mulher. Santos (2006) indica a necessidade da “cristalização de informações que até hoje permanecem na oralidade”. Após percebemos a força do discurso sobre a “sobralidade triunfante” (FREITAS), o registro das memórias daqueles que não aparecem neste discurso pode nos levar a imaginar a História de Sobral a partir de novas perspectivas. Percebe-se que existe uma forte presença da Umbanda em Sobral, porém, a presença do discurso triunfante no município e a sua forte relação com a Igreja Católica escondem de certa forma presença desta religião em nosso território. Porém, percebe-se a necessidade de desconstruir o falso imaginário de uma Sobral unicamente católica, pois a partir dessa perspectiva é que se fundamenta o preconceito religioso sofrido e observado nos terreiros de Umbanda.

Aos cinco anos, Zé Maria relata que sua mãe, convencida pela prima, o levou em uma sessão com uma “macumbeira”, expressão utilizada pelo pai de santo, em Camocim. Ao iniciar a sessão, a “entidade”, não identificada na entrevista, relata que não havia nenhuma doença na vida do menino, mas que a criança nascera com a mediunidade de incorporação, opondo-se em fazer qualquer trabalho contra isso, indicando apenas alguns banhos que a criança deveria tomar. Estes banhos, segundo Zé Maria Mulher, ajudaram-no por dois anos, pois quando ele completou a idade de sete anos, sua mediunidade retornou com características mais fortes. A partir desta idade, Zé Maria Mulher relata que iniciou seus trabalhos mediúnicos e, às vezes, utilizava do dinheiro da mãe para a compra de velas. Ele continua relatando que também conseguia dinheiro atendendo espiritualmente algumas pessoas, logo ficando muito conhecido. A relação com sua mãe se agravou quando ele completou dez anos, pois começou a ser perseguido pela Igreja e pela polícia de sua cidade, Massapê. Aos onze anos, sua mãe não aguentando a perseguição que estavam sofrendo, mandou o filho ir embora. Depois de ser rejeitado duas vezes por suas irmãs Teresinha e Nilza, já que elas não aceitavam sua religião, Zé Maria Mulher buscou uma residência na cidade de Sobral, onde se instalou e iniciou seu atendimento espiritual. O Pai de Santo afirma que ao chegar em Sobral, com catorze anos, começou a procurar casa para alugar, localizando uma na “Rua do Meio” (Bairro do Alto do Cristo), onde começou a trabalhar atendendo clientes e soltando baralho. Depois da morte de sua mãe, aos dezesseis anos, Zé Maria Mulher, já havendo deixado seu antigo endereço, registrou seu terreiro na rua Coronel Mont’Alverne, no bairro Campo dos Velhos.

José Maria Lima, popularmente conhecido como Zé Maria Mulher, Pai de Santo de Umbanda, líder espiritual do Terreiro Ogum Marinho, é uma das figuras mais populares da Umbanda sobralense. Não se sabe se ele foi o primeiro umbandista da cidade, porém, a popularidade que Zé Maria Mulher trouxe para a Umbanda em Sobral é perceptível a todos que adentrarem não apenas em ambientes de pesquisas relacionadas à religião, mas para a grande maioria de umbandistas da cidade. A figura do Pai de Santo é sempre lembrada como pioneira na popularização da religião dentro da cidade, além de deixar para a cidade uma grande quantidade de filhos de santos. Um breve estudo sobre sua memória nos possibilita iniciar um reconhecimento da Umbanda em Sobral. Trouxe para Sobral a quebra de uma identidade de cidade unicamente católica. Por fim, considera-se que mesmo diante de toda dificuldade representativa, a figura do Pai de Santo Zé Maria Mulher trouxe reconhecimento para a religião e construiu, dentro de Sobral, uma imagem constantemente lembrada pela comunidade umbandistas e por uma parcela significativa de cidadãos sobralenses. Zé Maria Mulher morreu em 2008 aos 65 anos, 50 dedicados aos trabalhos espirituais. Afama dos poderes de Zé Maria ganhou o mundo, principalmente, pelos atendimentos certeiros com as cartas de Tarô, realizados na Terreiro de Ogum Marinho, onde morava. Suas giras deixaram de ocorrer, gradativamente, a partir dos anos 2000. As festas preparadas com capricho no terreiro da casa não existirão mais. As giras das terças e sextas terminaram. As mesas e consultas procuradas por centenas de clientes, de todas as camadas sociais, cessaram.

Por fim, a cidade de Sobral hoje realiza o conhecimento dessa religião por meio da Semana da Umbanda de Sobral, no mês de novembro, contando com participações de professores, comunidade em geral e vários Pais de Santo. “Num tempo de intolerância crescente, queremos tornar a Umbanda, religião essencialmente brasileira, conhecida em seus fundamentos, respeitada em sua prática e reconhecida em seu valor religioso e cultural.”

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Esta exposição busca a construção da memória histórica Umbandista por meio do Pai de Santo Zé Maria Mulher, e também sobre o evento Semana da Umbanda em Sobral. Com isso, a apresentação tem como objetivo principal a narrativa de contexto e as transformações que essa região passou e sua relação com a religião. A pesquisa de cunho qualitativo, mediante o uso do método da História Oral, coleta de entrevista com o Pai de Santo e informações agrupadas no livro Nossa Gente, Nossa História: O Ceará Republicano, organizado pelo professor Carlos Augusto Pereira dos Santos da UVA. O estudo demonstra a persistência e resistência de Zé Maria Mulher que ao chegar em Sobral desenvolve suas referências religiosas por meio dos Orixás e das Entidades Espirituais que lhe guiavam, por meio disso, a Umbanda precisou ser reinventada pelo Pai de Santo, em função do Catolicismo relevante na cidade de Sobral. As práticas religiosas realizadas por Zé Maria Mulher ocorriam por meio de soluções e explicações do universo mítico e tinha resposta a partir da dimensão sociocultural em que o indivíduo estava situado. Portanto, Zé Maria Mulher se torna praticamente o primeiro e o indiciador da Umbanda na cidade conhecida como Princesa do Norte.

Zé Maria Mulher e assistentes
Fonte: arquivo do livro Nossa Gente, Nossa História: O Ceará Republicano, 2019

Cortejo dos Povos de Terreiro iniciando a Semana da Umbanda

Fonte: Prefeitura de Sobral, 2022


III Semana da Umbanda de Sobral

Fonte: @Semanadaumbandadesobral, 2019


Mesa redonda de convidados da III Semana da Umbanda de Sobral

Fonte: @Semanadaumbandadesobral, 2019


Apresentação e organização do evento III Semana da Umbanda em Sobral

Fonte: @Semanadaumbandadesobral, 2019


Palestrantes e convidados da III Semana da Umbanda de Sobral

Fonte: @Semanadaumbandadesobral, 2019


------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

  • Referências Bibliográficas:

SANTOS, Carlos Augusto Pereira. Nossa Gente, Nossa História: O Ceará Republicano. Sobral: Sertãocult; Edições UVA, 2019.

Cortejo dos Povos de Terreiros abre Semana da Umbanda nesta terça-feira (15/11. Prefeitura de Sobral, 2022. Disponível em: https://www.sobral.ce.gov.br/informes/principais/cortejo-dos-povos-de-terreiro-abre-semana-da-umbanda-nesta-terca-feira-15-11 . Acesso em: 05, de novembro, de 2022.

Semanadaumbandadesobral. 2019. “Abertura da III Semana da Umbanda de Sobral”. Instagram, 2019.

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

Equipe:
Wesli Silva
Júlio Cezar
Gabriel Soares
Maria Carmelita
Tamires Ribeiro
Raimundo Santo


Nenhum comentário:

Postar um comentário